Um ninho de entrevistas dedicado à actualidade da ilustração e banda desenhada nacionais.
Uma bicada nos mais desatentos pelo que por cá se faz.
Um bater de asas para divulgar os nossos projectos e autores.

quinta-feira, 31 de maio de 2012

Entrevista ao ilustrador e banda desenhista Carlos Páscoa




Entrevista a Carlos Páscoa, publicada na Zona Nippon 1, antologia de BD e ilustração nacional do projecto ZONA.

Dono de um registo muito próprio e de um traço que tem sofrido uma evolução notável ao longo dos anos, Carlos Páscoa é um autor francamente promissor no âmbito da BD e da ilustração nacionais. A paixão está-lhe no sangue e nos altos contrastes das suas formas, na energia do seu preto e branco, e o talento, esse, descobriu-o muito cedo na sua cidade natal: Beja. Até hoje, o grosso do seu trabalho consiste em ilustrações soltas e curtas de banda desenhada... mas sabemos que tem em carteira projectos para os seus primeiros álbuns, para obras mais extensas.

Como a curiosidade é grande, fomos saber um pouco mais...




Ao longo dos anos, tens experimentado novas técnicas e evoluído o teu traço. Como classificas o teu percurso?



Eu sempre fui muito avesso a experimentar coisas novas. Quando comecei a trabalhar com aparo e tinta-da-china, foi o que desenvolvi especificamente, porque me aborrecia profundamente trabalhar com cores. Eu não conseguia exprimir-me com aquilo... a sensação mais parecida com que eu defino a minha relação com a cor é como se tivesses uma enguia viva nas mãos e ela se te escapasse por entre os dedos. Assim que comecei a trabalhar com os aparos, senti que, de facto, era mesmo aquilo que me definia e foi o que desenvolvi. Só mais tarde é que comecei a trabalhar digitalmente, e com vantagens...





Entretanto licenciaste-te em arquitectura. Achas que a tua formação académica te tornou melhor autor de banda desenhada?


Muito sinceramente... nem por isso. Foi um tempo em que produzi muito pouco, e o que aprendi, pouco serviu para ampliar as minhas competências na BD. Em todos os anos que estive na faculdade, só produzi três histórias curtas... Estive muito tempo estagnado.





Sabemos que, por regra, escreves os teus próprios argumentos e que tens alguns projectos já pensados em carteira. No que consistem ao certo?


Projectos não me faltam... Concretizá-los é que é o problema. Eu não gosto de falar de projectos antes do tempo, em especial daqueles que ainda não estão sequer no papel... no entanto, posso já adiantar que tenho um álbum em fase de produção, mas ainda sem data definitiva de lançamento.


Quais são, para ti, os 3 melhores livros de BD que já leste?


Bem, se fosse para uma ilha deserta e tivesse que levar três livros, eu escolheria: "Batman - The Long Halloween" do Jeph Loeb e do Tim Sale; "Memórias do Eterno Presente" da dupla Schuiten-Peeters; e "Habibi" do Craig Thompson.


Para saber mais acerca do trabalho do Carlos Páscoa, visite o seguinte link:

Grande entrevista com Jorge Machado-Dias, autor e editor de BD




Fala-nos um pouco do teu já longo percurso na banda desenhada portuguesa. De onde veio essa paixão pela BD?

Comecei a ler banda desenhada por volta dos 8 anos, quando descobri a colecção do Mundo de Aventuras, que o meu pai guardava no guarda-fatos – isto em Lourenço Marques (actual Maputo), onde vivi com a família, dos cinco aos dez anos. Lia o Mandrake, o Fantasma, Cisco Kid, Tarzan, etc... Depois do regresso a Portugal deixei praticamente de ler BD até aos 16/17 anos. Lia sobretudo o “Sandokan” do Salgari e depois, todo o Eça de Queiroz, até encontrar coisas no género de “Porque não sou Cristão”, de Bertrand Russel, “O Macaco Nú”, de Desmond Morris, “Os Doze Césares”, de Suetonio e por este livro, iniciei o meu percurso de devorador de livros de História, que dura até hoje. Mas quando apareceu a revista Tintin, em 1968, comecei a coleccioná-la religiosamente durante uns anos. Daí veio a paixão sobretudo por Asterix, mas também Lucky Luke, Bernard Prince, etc..., devo dizer que o Tintin, de Hergé,  nunca me interessou muito. E curiosamente detestei o Corto Maltese quando apareceu na Tintin... Digo curiosamente porque mais tarde, haveria de me tornar um quase “especialista” em Corto Maltese, sobretudo depois de o ler na (A Suivre) e quando legendei três álbuns das Edições 70, onde trabalhei entre 1985 e 1988.
Nesse tempo, entre 1968 e, digamos 1979, o meu interesse era a História, a poesia (que agora detesto) e a pintura. Pintei frenéticamente, coisas que em grande parte se perderam, oferecidas, deitadas fora, etc... e ainda espero voltar à pintura, um dia. Pelo caminho que a coisa leva, talvez só quando ficar gagá, não sei...




Mas continuemos com a BD. O meu verdadeiro interesse pela banda desenhada só começou a sério quando descobri, por volta de 1979, alguns exemplares da Metal Hurlant e da (A Suivre). Aí sim, a coisa nunca mais parou. Comecei a desenhar algumas histórias que nunca terminei. Participei numa exposição (com quatro pranchas de uma história sobre Bartolomeu Dias) na Livraria Barata, em 1986, com os monstros sagrados da BD portuguesa, o José Ruy, o Garcêz, Augusto Trigo, Victor Mesquita, Eugénio Silva, Baptista Mendes... e eu, ali no meio, sem saber muito bem o que estava lá a fazer. 




Foi também quando conheci Geraldes Lino, diga-se.
Depois em 1990 (ou 91, já não me lembro bem), resolvi concorrer ao concurso Navegadores Portugueses, do Centro Nacional de Cultura, com 10 pranchas (9 em esboço e 1 finalizada) de “Ilhas no Mar Occeano”. Mas por não ter apresentado as pranchas finalizadas, recebi apenas uma Menção Honrosa. Uns meses depois fui contactado pela Asa para realizar uma banda desenhada, mas não sobre Descobrimentos. 




Pediam-me a adaptação de “Os Maias” do Eça de Queiroz. Ia-me dando um treco (como dizem os brasileiros), porque “Os Maias” é um livro com 400 e tal páginas... Mas aceitei. Levei talvez um ano a fazer a adaptação do texto e comecei a desenhar. Quando já tinha entregue 14 pranchas – 6 delas com a cor – a administração da Asa descobriu que tinha os armazéns cheios de livros de BD portuguesa que não se vendiam e comunicou-me que cancelava todos os projectos de banda desenhada em curso. Mas pagaram-me as pranchas entregues.
Um ano depois fui de novo contactado pela Asa, que, diziam, me queria compensar por terem desistido do projecto de “Os Maias”. 




A proposta agora, era a actualização do álbum “História da Formula 1”, com um caderno especial sobre Ayrton Sena que tinha morrido nesse ano (1994) em plena corrida. Outro treco! Nunca na vida tinha desenhado carros de que espécie fosse. Mas aceitei – ia a todas! Recolhi quilos de material – incluindo os Anuários de Formula 1 e por via disso, o editor destes Anuários, encomendou-me uma ilustração do Ayrton Senna para um livro que ia editar sobre o piloto brasileiro. Passei ao desenho, montes de esboços e quatro pranchas a preto e a primeira a cores – só entreguei as pranchas a preto, que foram pagas, diga-se – quando a Asa voltou a cancelar o projecto, anunciando que renunciava à publicação de BD. Só voltaria a editar BD já em 2002, com a Maria José Pereira aos comandos. A prancha a cores foi-me comprada, mais tarde, por Geraldes Lino (ou antes, quase o obriguei a comprar-ma porque estava sem cheta).




Estes trabalhos frustrados levaram-me a parar quase completamente de desenhar. Comecei então a escrever uma história “Sob o Signo do Pelicano” (muito influenciado pelos títulos das histórias de Hugo Pratt, como se percebe), onde – ambientando a acção na guerra Luso-Castelhana, que terminou com a batalha de Toro, em 1476 – iniciava uma série centrada nos espiões do Príncipe D.João, futuro rei D.João II. Quem conhece um pouco de História, sabe que o Pelicano era o signo de D.João II. Cheguei a iniciar o desenho de uma das histórias para esta série, “Pelo Meridiano de Tordesilhas”, de que só existe mesmo a primeira prancha...
Conheci então Victor Borges, que tinha um traço humorístico fabuloso e, continuando com espiões, iniciei outra história para ele desenhar: “As Aventuras de Paio Peres”, espião de Afonso Anriques, Rey dos Portucalenses...




Ao longo dos anos fundaste uma pequena editora, a Pedranocharco, e lançaste muitos livros de autores nacionais. O que te motivou a entrar na publicação de BD em português?

Esta pergunta encadeia com o final da resposta anterior, porque a Pedranocharco nasceu precisamente por causa de “As Aventuras Paio Peres”. Mas antes disso...



No início de 1992 fui convidado pela direcção do jornal quinzenal “Outra Banda” do Seixal, para escrever uma página sobre banda desenhada, a que chamei “Outra Banda desenhada”. Nessa página, as pranchas de “As Aventuras de Paio Peres – O Espião” começaram a ser pré-publicadas. Mas ao fim de oito meses, por questões que não tiveram nada a ver com a BD, desentendi-me com o director do Outra Banda e a página acabou. Entretanto, Victor Borges já tinha desenhado cerca de 80 pranchas de “As Aventuras de Paio Peres – O Espião”.




Resolvi contactar a Meribérica, depois a Editorial Notícias, etc... para propôr a publicação do álbum “As Aventuras de Paio Peres – O Espião”. Nada feito. Como essa primeira história se passava em Almada (a Al-Mahadan moura), contactei com a Câmara de Almada – eu morava na cidade há 25 anos e conhecia quase toda a gente da Câmara – não tendo sido difícil conseguir o apoio para a edição, com a condição de que o título do álbum teria que ostentar o nome da cidade, daí ter dividido a história em dois álbuns, dando ao primeiro o título “Missão em Al-Mahadan”. Para editar os álbuns arranjei um sócio investidor na pessoa do arquitecto para quem trabalhava profissionalmente na altura. Assim nasceu a Pedranocharco Publicações, Lda.




A editora nessa primeira fase editou oito álbuns: os quatro primeiros de José Carlos Fernandes, o primeiro de Eliseu “Zeu” Gouveia, um outro de Victor Borges com argumento de Paulo Moreiras (actualmente escritor com certo prestígio) e os dois de “As Aventuras de Paio Peres” – programados para dar origem a uma série de 21 álbuns...
A Pedranocharco Publicações, Lda. encerrou em 1998 e eu recuperei o nome – sem o Lda. – e o logotipo (que haviam sido criados e registados por mim) como chancela pessoal em 2004.


Achas que existe um mercado de banda desenhada viável no nosso país? Há motivos para esperar mais e melhor?

Cada vez acredito menos que haja viabilidade para um mercado de banda desenhada em Portugal. Não tenho motivos para esperar seja o que for. E porquê?
Acho que valerá a pena falarmos nisso.
Apesar de existirem problemas estruturais, digamos assim, que vão do fim da publicação de BD nos periódicos (actualmente só o Nuno Saraiva consegue essa proeza) à escassa edição em livro, especialmente a partir dos anos 1970, a banda desenhada que se produz neste país, começou a enfermar de um outro mal, quanto a mim grave, que é o facto de quase não existirem já argumentistas portugueses.
Isto levou, gradualmente, a que a maior parte dos desenhadores passassem a consideram-se “artistas” a solo. Também, porque alguns críticos e jornalistas começaram e persistem na asneira de chamar “artistas” aos autores de banda desenhada. Eu sei que chamam à BD a 9ª arte, o que é outra cretinice. Mas o cinema também é designado como a 7ª arte e alguém se lembra de dizer o “artista” Francis Ford Coppola?
Com isto desvirtuam a própria banda desenhada, que sempre foi um produto de cultura popular (tal como o cinema) e que é, evidentemente, servido por diversas artes. Mas é ridículo considerar, tanto a Banda Desenhada como o Cinema, eles próprios como artes. Foi Ricciotto Canudo, no início do século XX que inventou essa “escala das artes”, porque queria colocar o cinema a par das artes reconhecidas. Depois, os teóricos da BD fizeram o mesmo e designaram-na a 9ª arte. Sendo que o 8º posto dessa escala foi atribuído à televisão (uma arte ?). Sem querer fazer publicidade, aconselho que leiam o texto do Pedro Moura, “Razões do Desapreço pela Expressão ‘9ª arte’”, no BDjornal #28 e percebem o que quero dizer. Isto apesar de o Pedro Moura considerar a BD uma arte, do que eu, como princípio, discordo.
Mas vejamos, enquanto durou o boom da BD em jornais e revistas, ela sempre foi trabalhada como numa cadeia de montagem: o argumentista escrevia as histórias, depois um desenhador fazia o lápis das tiras, outro dava-lhe a tinta da china (mais tarde, outro dar-lhe-ia a cor) e outro a legendagem. E a produção era vertiginosa. Mas mesmo quando se passou à fase dos álbuns (e estou sobretudo a referir-me ao mercado franco-belga – o “farol” da BD na Europa) raramente houve um desenhador que escrevesse e desenhasse histórias a solo. Porque é raro encontrarem-se talentos como Hugo Pratt, Enki Bilal, Miguelanxo Prado, etc... (que no início das carreiras trabalharam sempre com argumentistas) e a esmagadora maioria dos desenhadores não tem talento para criar histórias de raíz com interesse para o público em geral. Por isso a BD portuguesa tem, comercialmente, o mesmo problema do cinema português: só produzem as chamadas “obras de autor”, que de um modo geral, interessam pouco ao grande público – daí o fracasso de bilheteiras da maior parte do cinema português e a escassez de vendas da maior parte da BD portuguesa.
E, envoltos nessa “aura” de “artistas” – que não os leva a lado nenhum –, a esmagadora maioria dos desenhadores portugueses nem sequer aceita trabalhar com um argumentista.
Um caso paradigmático: o Filipe Melo, para conseguir criar o “Dog Mendonça” teve que recorrer a desenhadores argentinos, quando existem em Portugal desenhadores tão bons ou mesmo melhores! E o “Dog Mendonça” já vai no segundo livro, com edições sempre a esgotar. Isto quer dizer alguma coisa.
No entanto existe uma área onde alguns desenhadores podem encontrar fundos para escreverem as histórias eles próprios: as autobiografias. Mas esta área é limitada e mesmo para isso é preciso que essas peças sejam bem escritas e tenham interesse, ou que se saiba torná-las interessantes. Veja-se o caso recente de Paulo Monteiro.


E as obras que editaste? Fala-nos um pouco delas.

As obras que editei inseriram-se quase sempre num princípio de que quase nunca abdiquei: chamar “à primeira linha”, digamos assim, autores desconhecidos (ou relativamente desconhecidos). Sempre acreditei no José Carlos Fernandes desde que, em 1992, publiquei “Singin’in The Rain” no fanzine Dossier Top Secret nº51, co-editado pelo Victor Borges e por mim. De maneira que foi o primeiro autor que editei – e foi também o primeiro álbum do José Carlos Fernandes, o “Lou Velvet”(1996). Haviam de seguir-se mais três álbuns dele, “Um Catálogo de Sonhos” (1997, reeditado pela Devir em 2005), “Alguém Desarruma Estas Rosas e Outras Estórias” (1998) e “As Aventuras do Barão Wrangel” (1998, também reeditado pela Devir em 2003). Editei também o primeiro álbum do Eliseu “Zeu” Gouveia, “Medusa 31 – Et Pluribus Impar”. Para além dos dois álbuns de “As Aventuras de Paio Peres” e de “Herminio – Regresso a Portucale”, do Victor Borges e do Paulo Moreiras. Isto na primeira fase da Pedranocharco.
Na segunda fase, a prioridade foi o BDjornal, iniciado em 2005 e nele comecei a publicar autores que nunca tinham visto nada seu publicado. Casos mais conhecidos, o Álvaro (com “Sexo, Mentiras e Fotocópias”, que depois editei em livro), o “BRK”, do Filipe Pina e Filipe Andrade, que viria a ser editado em livro pela Asa e o Hugo Teixeira – depois de conhecer a página dele no deviantART.com – de quem publiquei “Os Monótonos Monólogos...” no BDjornal e depois o “Bang Bang” em livros, e que, quando começou a trabalhar em cor, a Asa editou-o. O caso do “Dicionário Universal da Banda Desenhada”, de Leonardo De Sá, foi outra das matérias que foram saindo no BDjornal e a certa altura resolveu-se fazer e editar em livro. Em 2011 fiz uma coisa que nunca tinha feito, editar um autor já com créditos no mercado, o Fernando Relvas. Mas esta edição foi devida ao seu regresso, depois de longa ausência na Croácia e ao facto de que ia ter uma exposição no Festival de Beja – por isso propôs-me editar o “Li Moonface” a preto e branco, livro que já estava publicado a cores e em inglês, na Lulu.com. No entanto a conversão do livro para preto e branco foi a desgraça que se viu. Mas espero vir a editar em breve o livro do Relvas que eu sempre quis editar, o título fica no segredo dos deuses, OK?


Além dos álbuns, também iniciaste séries como o BDVoyeur e o BDjornal. Para quem não os conhece, em que consistem?

Trocando a ordem, o BDjornal começou por ser um jornal, em formato tabloide, sobre BD, porque nessa altura – e agora cada vez mais – acreditei que não era viável uma revista de banda desenhada neste país, como se provou com a Selecções BD da Meribérica e talvez como vocês estejam a perceber com a Zona...
Mas a génese do BDjornal começou muito antes, quando em 1993 fiz a maqueta de um fanzine “Pedra Pomes de Bandas Desenhadas” que nunca saiu dessa fase (embora tenha estado em exposição num dos Salões da Sobreda BD) e de seguida editei uma folha com matérias sobre BD, a “Folha Pedra no Charco de Banda Desenhada”, em formato A3. 




Foi a “avó” do BDjornal e foi daí que nasceu o nome da futura editora Pedranocharco. Depois em 1996 editei o nº 0 do BDinFólio, o “pai” do BDjornal, já em formato tabloide – fiz 1.000 exemplares que distribuí, gratuita e largamente, pelas Tertúlias BD de Lisboa, Bedeteca de Lisboa (assunto da primeira página) e Festival da Amadora desse ano. Em 1998 editei o nº 1 do BDinFólio, 2.000 exemplares, que vendi exaustivamente nas Tertúlias BD de Lisboa, no 1º Salão Lisboa de Ilustração e Banda Desenhada, nas instalações da Abel Pereira da Fonseca, ao Poço do Bispo, para onde fui militantemente durante todo o Salão, o mesmo acontecendo durante o 9º Festival da Amadora – o desse ano. Abordava todos os visitantes que conseguia e impingia um BDinFólio, por 300$00 (cerca de € 1,50). Foi épico, o Pedro Brito, por exemplo, ainda se lembra disso – às vezes gozamos com esses tempos um bocado loucos. E esgotei todos os exemplares.




O BDjornal nasceu dessa experiência e da edição mensal do fanzine BDpress (15 números), onde republiquei, todos os meses, de Abril de 2004 a Maio de 2005, recortes de textos sobre BD que iam saindo em quase todos os jornais e revistas deste país. Com a embalagem ganha, comecei o BDjornal, que foi mensal durante um ano – e a trabalheira que deu fazê-lo a esse ritmo, tornou-se infernal, pelo que (e também por factores financeiros) passou a bimestral na segunda fase. A seguir veio uma terceira fase em que passou ao formato de revista, também bimestral. Em 2009 parei durante um ano com a edição, para reformular o conceito da revista e recomecei, numa quarta fase, no mesmo formato, mas com periodicidade semestral. Creio que se adequa melhor à escassa procura que há em Portugal, embora a procura do BDjornal no Brasil esteja a aumentar de edição para edição.
Tive sempre a preocupação de procurar um equilibrio no BDjornal, entre matérias um pouco mais académicas sobre BD, até às mais populares (como os textos sobre as edições Bonelli/Mythos, por exemplo), passando pela crítica de livros, reportagem/crítica sobre exposições, festivais, etc... e grandes entrevistas com autores, editores, organizadores de eventos, etc...
Quis também que a coisa funcionasse (e isto desde o início) como ponto de encontro para toda a banda desenhada de língua portuguesa. Infelizmente a produção dos PALOP não tem ainda a qualidade a que estamos habituados, de modo que a maior fatia da colaboração no BDjornal extra-portuguesa, tem sido a brasileira e, num breve espaço, que espero retormar, a galega – não nos esqueçamos que a língua galega é a “mãe” da língua portuguesa e uma grande percentagem dos galegos quer fazer parte do espaço lusófono.
Quanto à BDVoyeur, pretendi iniciar uma publicação anual com banda desenhada portuguesa para adultos, com inclusão de alguma matéria de informação e divulgação do que se faz no resto do mundo e dando também a conhecer autores estrangeiros nessa área. Infelizmente ainda só editei dois números, embora tenha o terceiro pronto, mas as despesas com o BDjornal absorvem sempre quase todas as verbas.


O BDjornal ainda se encontra em actividade, neste momento com uma periodicidade anual. Quais são os teus planos para o futuro relativamente à publicação?

Para já, o BDjornal é semestral, não anual! Quanto ao futuro, espero continuar esta fase até ao #30 – que sairá em Outubro deste ano. Depois logo verei se, ou como, a coisa continuará. Ainda é cedo, embora já esteja a trabalhar para esse futuro.


Às vezes também te aventuras na escrita de argumentos. Como correram as tuas experiências como autor, até à data?

Como já disse acima, a certa altura deixei praticamente de desenhar, passei a escrever e, o que foi pior, passei a editar. Ora, como disse alguém, a pior coisa que pode acontecer a um autor de BD (sobretudo se for desenhador) é tornar-se editor. Isto porque, para além de se tornar num editor com problemas financeiros (porque nunca terá estaleca para o negócio), deixa de ter tempo para desenhar – e o desenho é uma ocupação a tempo inteiro. Portanto, como autor e também como editor, sinto-me bastante frustrado. Por isso é que disse atrás que, se calhar um dia destes borrifo-me para a BD (se conseguir) e volto à pintura, talvez quando já estiver “lelé da cuca” como também dizem os brasileiros.



Como desenhador, nos últimos vinte anos, só desenhei as trinta e duas pranchas de “Corpo a Corpo”, de pornografia pura (faltam publicar doze pranchas), para a BDVoyeur, as quatro pranchas de “O Regresso de Valentina”, para o fanzine Eros #10 – Especial, de Geraldes Lino e a prancha de “Corto Maltese no Século XXI”, para o fanzine Efeméride, também editado por Geraldes Lino. E isto, foi porque Geraldes Lino (abençoado seja) é pior que a “melga”, quando agarra não larga...




Como perceberás, é frustrante. Até mesmo em matéria de argumentos, que são, em princípio, mais rápidos de escrever e menos exclusivistas na dedicação do que o desenho, tenho dez argumentos iniciados, à espera, talvez, que vá para uma qualquer ilha deserta, longe dos problemas da edição e do trabalho profissional como designer gráfico, para os terminar. Isto porque não sei fazer argumentos para histórias curtas e os que faço levam-me sempre a pesquisas, por vezes intermináveis, à procura de quaisquer dados que me faltam. Aliás o único argumento para história curta que fiz, foi para o Vitor Borges, em 1999, para participação na exposição/catálogo “Uma Revolução Desenhada: o 25 de Abril e a BD”, onde o meu nome nem sequer consta.




Sei que tens alguns projectos pensados que nunca avançaram. Há alguma surpresa guardada para o futuro? O que podemos esperar da tua parte e da tua editora?

Bem, os projectos pensados, são sempre a salvaguarda para o futuro – pelo menos é o que queremos pensar disso. Em matéria de edição, para além do BDjornal #29 e #30, está a ser preparada uma co-edição com o Wagner Macedo (vendedor exclusivo e representante do BDjornal no Brasil) para um álbum de Julio Shimamoto. E gostaria de realizar uma grande exposição sobre este “samurai dos quadrinhos”  para a qual já tenho oitenta e tal cópias de grande qualidade, de várias fases da sua obra. Depois há o projecto do álbum do Relvas. E vou tentar editar a BDVoyeur #3 em 2013.
O último projecto que concretizei, foi a Livraria Pedranocharco Online, pensado já há muito tempo e só agora concretizado em http://pedranocharco.shopmania.biz/. Trata-se da primeira livraria de banda desenhada online portuguesa, onde espero vir a ter muitos dos títulos de BD portuguesa disponíveis. Já lá estão edições da Pedranocharco (obviamente) e também, da Libri Impressi, Chili Com Carne, MMMNNNRRRG, Edições Polvo, as revistas Zona, Edições Nova Vega, uma série de fanzines, livros de autor, etc... Vamos ver no que vai dar.
Quanto a surpresas, infelizmente, só se forem também surpresas para mim é que acontecerá alguma.




Em jeito de balanço, e embora se adivinhem muitas mais, quais as recordações que guardas com maior carinho. Tertúlias com autores, apresentações de obras, momentos caricatos... Podes partilhar alguns episódios?

As minhas melhores recordações são, para começar, dos Festivais da Amadora, onde vou desde 1992 (3º FIBDA) e em que, a partir de certa altura estive presente todos os fins-de-semana – sendo que no de 1998, como disse atrás, estive lá todos os dias a vender o BDinFólio – e com mais “militância” a partir de  2005, desde que tenho stand em todas as edições do Festival. Devo mesmo ser o maluco com maior número de dias de presença nos últimos 19 anos de Festival. Depois, as Tertúlias BD de Lisboa que frequentei religiosamente todos os meses desde 1997 até Janeiro de 2011. Só desde que passei a morar em Caldas da Rainha (Fevereiro de 2010), é que frequento a Tertúlia com menos assiduidade. E há os Salões de Moura e de Viseu, de que guardo grandes recordações. Ou do Festival de Beja, que é muito especial para mim, porque começou em 2005 e o primeiro número do BDjornal foi lançado lá.
Mas o Festival de que guardo particulares recordações, inesquecíveis até hoje, foi o último que se realizou no Porto, em 1999. Talvez porque tenha sido o único a que fui. E foi uma “aventura” em grupo, a ida a esse Festival. Desta maneira: a Bedeteca de Lisboa organizou em conjunto com a Associação do Festival de BD do Porto, os Colóquios “Hoje a BD”, que decorreram no Teatro Rivoli. E o pessoal de Lisboa foi de comboio, em excursão, até ao Porto, para participar na coisa. Dos “Colóquios” pouca coisa recordo, mas do ambiente e do convívio, foi muito marcante. Foi, por exemplo, onde conheci pessoalmente toda a gente do Atelier Toupeira de Beja (com os quais me correspondia) e que mais tarde organizaria o Festival de BD de Beja.




Já os episódios mais caricatos, ocorreram quase sempre nos Festivais da Amadora, quando este decorria na Fábrica da Cultura, obviamente. Lembro-me por exemplo, do episódio que ocorreu no Festival de 1995. Eu e o Victor Borges montámos pessoalmente a exposição sobre “As Aventuras de Paio Peres”, em que o objecto marcante da cenografia era uma porta “moura” com cerca de cinco metros de altura, feita em relevo numa das paredes da Fábrica da Culturas e por cima da qual “esvoaçava” uma gaivota em esferovite com dois metros de envergadura. À frente da porta estavam as três personagens principais da história desenhadas em tamanho natural, coladas em esferovite recortada e apoiadas (pregadas em apoios) no chão. Pensámos que seria engraçado suspender a gaivota com fio de pesca grosso, da estrutra metálica do telhado do edifício – para quem se lembre da Fábrica, sabe que essa estrutura estava a mais de dez metros de altura. Para isso precisávamos de qualquer coisa que chegasse lá acima para passar o fio, etc... e chamámos o director do Festival, o Luís Vargas. Quando ele chegou ao nosso espaço e viu aquela porta gigantesca, ia-lhe dando uma coisa má e desatou aos berros. “Os elementos das exposições não podem passar dos três metros!”, “Tirem isso tudo daí!!!” Estávamos a poucas horas da inauguração. Depois dele se ir embora, desatámos a rir, até que eu disse: “Ok! Não há tempo para desmontar nada... Prega-se a gaivota na parede, por cima da porta e pronto, está feito!” Claro que durante a visita do Presidente da Câmara, na inauguração, Luís Vargas disse-nos entre dentes, com ar de poucos amigos “Vamos ter de falar a sério sobre isto mais daqui a pouco”, o que nunca aconteceu.
No ano seguinte montámos de novo uma exposição, desta vez no espaço de acesso ao Auditório do Festival. Eram pranchas de “Herminius – Regresso a Portucale”, de “Um Catálogo de Sonhos” do José Carlos Fernandes e uma série de pranchas do grupo do Pedro Potier, Eliseu “Zeu” Gouveia, etc... Quase no final da montagem achei que aquilo estava muito “nú” – faltava qualquer coisa. Fui dar uma volta pelas outras exposições e encontrei o Fernando Relvas, que ia ter uma exposição individual. Andava com uma fita na cabeça, à ninja, a empurrar um carro de mão das obras, a acartar terra e pedras, do exterior da Fábrica, para o meio do espaço da exposição dele. Perguntei-lhe qual era a ideia. “Eh pá, estou a fazer uma ‘instalação’ ali no meio, porque aquilo parece o Terreiro do Paço”. Claro que, quando o Luis Vargas viu a “instalação”, por pouco não teve uma apoplexia e depois de muita barafustação, mandou o pessoal da Câmara retirar a terra toda. Mas aquilo fez com que eu fosse à rua ver o que havia por lá e reparei nos ramos dos arbustos de uma sebe. Começámos a arrancar ramos da sebe e a pregá-los nas paredes da exposição, até aquilo parecer quase uma floresta. Devo dizer que o espaço ficou com um aspecto estranho para uma exposição de BD (ou outra qualquer), mas interessante. Felizmente o director do Festival só viu aquilo no dia seguinte à inauguração e já não estava para se chatear. Infelizmente, o diabo dos ramos foram murchando ao longo do Festival e no final, o aspecto da coisa era completamente de partir a rir.
Claro que nada disto poderia acontecer actualmente, no espaço institucional, pomposo e circunspecto em que o Festival da Amadora se transformou. E é por isso que existem tantos saudosos da Fábrica da Cultura, onde havia, de facto, a Festa da Banda Desenhada em Portugal...




Se pudesses pedir 3 desejos para a BD nacional, para os seus autores, editores, leitores... Quais seriam?

A – Que os autores portugueses de banda desenhada desatem os nós que têm nas cabeças e comecem a produzir obras que não sejam apenas para eles próprios e para os amigos, deixando de alimentar os seus egos e começando a alimentar um público. Pode ser que assim surjam mais “Dogs Mendonças”...

B – Que aqueles que escrevem argumentos e não os conseguem desenhar com qualidade (quase sempre, eles pensam que têm qualidade, mas o espelho está baço pela auto estima insuflada e engana-os), deixem de rabiscar coisas sem qualidade e se concentrem na nobre tarefa da escrita para banda desenhada. Porque desenhadores, nós temos uma legião deles de grande qualidade.

C – Que os autores deixem de carpir por não haver editores nem mercado. Agrupem-se, criem equipas ou estúdios (lembro o Lisbon Studios...) e produzam cirurgicamente para um mercado – deixem as “obras primas” para mais tarde. Vão às escolas interagir com os miúdos, em workshops, ou apresentações, de maneira a começarem a formar um público. Quando existirem obras de BD viradas para o público, haverá sempre quem as edite!

Eu sei que isto é quase pedir que se comece de novo. Não traz sucesso imediato, claro. Mas parece-me que é mesmo preciso começar de novo!

Entrevista com Pedro Carvalho, ilustrador e banda desenhista




Entrevista a Pedro Carvalho, publicada na Zona Gráfica 2, revista alternativa de BD e ilustração nacional do projecto ZONA.

Pedro Carvalho é um daqueles autores ao qual ninguém fica indiferente. A um estilo gráfico divertido e irrepreensível junta-se um sentido de humor muito característico, capaz de provocar gargalhadas em cada banda desenhada que faz. No entanto, seja em ensaios de fan art, seja a criar personagens originais ou a desenhar segundo os argumentos de outros autores, a entrega e o entusiasmo deste artista de Barcelos são sempre iguais. E é também por isso que a sua arte é tão apreciada.

Porém, quisemos conhecê-lo melhor…




Onde estavas tu e, acima de tudo, o que andavas a fazer antes da Zona? Como é que tudo começou?

Ora bem, onde estava eu… Muito provavelmente em casa a tentar terminar o Call of Duty pela 4ª vez ou algo assim incrível... Incrível ou deprimente? Certamente que é uma das duas, vá lá... 
Bem, mais a sério, em termos de ilustração sou autodidacta, aprendendo um pouco com todo tipo de influências que me rodeiam. Tenho feito tiras de BD para a imprensa local e para uma revista aqui do Norte e ocasionalmente ilustrações para a marca de vestuário Omni. Tirando isso, desenho apenas por gosto, que, sejamos muito sinceros, ganhou um novo incentivo e ânimo com a descoberta da Zona. 




BD ou ilustração? Qual o interesse que surgiu primeiro e qual das duas te cativa mais?

Acho que ambas surgiram ao mesmo tempo. O fascínio pela BD vem desde muito novo: lembro-me de quando me ofereceram a minha primeira revista, li-a e reli-a vezes sem conta, copiava vinhetas inteiras e era inspirado por aqueles personagens fascinantes. Devia ter 8 ou 9 anos quando fiz a minha primeira BD, assim com capa e tudo (e preço na lombada)! Olhando para trás, 100 escudos por um exemplar único que me levou um mês a fazer era uma verdadeira pechincha, digamos apenas que nunca fui muito bom na questão lucrativa da coisa.
Apesar do mundo da BD sempre me ter fascinado, a verdade é que nunca tive muito jeito com a escrita, algo que foi sempre um impasse para mim. A Zona veio mudar isso com as pessoas que tenho vindo a conhecer, as parcerias com os argumentos do André Oliveira têm sido das coisas que mais gozo me deram fazer, por isso tenho que dizer que a BD me cativa mais, isto quando se tem a equipa certa para um bom resultado.




Sabemos que há personagens especiais para ti: do Hulk ao Wolverine passando pelo teu alter-ego Cosmic Rocket Man. Fala-nos desse teu ícone e das tuas referências enquanto autor.

Tal como disse antes, tenho a BD muito presente desde tenra idade, e isso é uma influência que pode ser tão boa como má. Um exemplo de uma má influência é ter lido BD Marvel nos anos 90 e ter ouvido as pessoas dizerem que tinha um traço parecido com o do Rob Liefeld… que inocente na altura pensar que isso era algum tipo de elogio, haha. Mas como tudo, foram aprendizagens, acho que neste momento tenho um traço consistente e muito próprio. Não é perfeito e sei que ainda tenho muito para aprender, mas estou contente com a evolução que tenho tido. Não nego que os personagens da Marvel me têm acompanhado há já muito tempo, a verdade é que nunca me farto de os desenhar, muitas vezes já saem por impulso próprio. Se esta pergunta me tivesse sido colocada há uma década e meia atrás, a coisa mudava de figura... no imaginário tinha apenas Tartarugas com nomes de pintores renascentistas e munidas de um estômago de ferro que nem os aromas mais horríveis e putrefactos dos esgotos lhes tiravam o apetite por pizzas, não sei, mas essa parte sempre me fez impressão... Bem, estou a divagar não é? Ok... Mas as influências vieram de outros locais também: desde o cinema xunga dos anos 80 até aos animes incríveis que via quando era puto, a música e basicamente todo o espectro pop que nos rodeia. Quanto ao Cosmic Rocket Man é um nome que uso em variadas plataformas sociais da net. O nome talvez tenha sido inspirado naqueles filmes série B de ficção cientifica dos anos 60, mas nem eu sei ao certo... Esse nick é normalmente associado a um avatar muito particular, são esses mesmos que costumo usar em forma de stickers noutra forma de arte que me fascina bastante, a arte urbana. Só tenho pena de ser sempre associada a vandalismo, pelo menos por cá. Felizmente lá fora o Banksy e companhia já mostraram que se pode mudar mentalidades com ela, e é apenas, ao fim ao cabo, mais uma forma de expressão como tantas outras.




Tu e a Carla Rodrigues, sendo namorados, parece que se motivam um ao outro no que toca a trabalho. Como funciona a vossa dinâmica enquanto artistas?

Sim, tenho a sorte de ter alguém que vive neste mesmo mundo geek, haha. Temos por hábito ir mostrando, passo a passo, o progresso dos trabalhos em que ambos estamos envolvidos. Quando necessário lá estamos a dar opiniões e a ser críticos, isso ajuda sempre a atingir um melhor resultado, mas é algo que raramente faço porque a Carla tem um enorme talento. Outra vantagem é irmos aprendendo um com o outro no que diz respeito a novas técnicas, principalmente a nível digital. Estranhamente, e apesar do gosto comum, ainda não fizemos nada em parceria, apesar de querermos bastante. Talvez uma BD numa próxima Zona? Quem sabe... ;)




Na tua perspectiva, o que é ser hoje autor de BD em Portugal? Quais os teus planos para o futuro? 

Tenho um emprego normalíssimo, empregado de comércio, e não estou a ver começar a viver da ilustração de um momento para o outro, apesar de ser o maior desejo para qualquer pessoa apaixonada  pela ilustração. Mas isto não é novidade alguma, Portugal e o seu mercado reduzido de Banda Desenhada impedem isso. Acho que um autor de BD nos dias de hoje neste nosso país tem de ser alguém persistente para levar o seu sonho avante e acima de tudo apaixonado pelo que faz. Falo por mim, adoro desenhar e espero poder, como artista, aprender mais e divulgar cada vez mais o que faço e esperar que a resposta do outro lado seja positiva. Futuramente gostaria de publicar projectos mais pessoais, mas, para mim, toda esta paixão muito dificilmente irá deixar de ser um hobby.


Para saber mais acerca do Pedro Carvalho, visite os seguintes links:


Entrevista ao ilustrador Manuel Alves




Entrevista a Manuel Alves, publicada na Zona Negra 2, revista alternativa de BD e ilustração nacional do projecto ZONA.

Manuel Alves é um ilustrador natural de Braga, que não poucas vezes decide fazer uma incursão pelo mundo da banda desenhada e até da escrita. É portanto um autor multifacetado que prima por um registo gráfico fotorealista e por um sentido de humor muito próprio, presente em muitos dos seus trabalhos. Nos últimos anos, a sua colaboração com a Zona e com o fanzine Celancanto, uma publicação que ajuda a preservar espécies em vias de extinção, assim como uma presença activa nas redes sociais, tornaram mais visível o seu trabalho e conhecido o seu talento. 


Assim, quisemos aproveitar o embalo para conhecê-lo melhor…


Para quem não te conhece, resume-nos o teu percurso artístico até aos dias de hoje.

Tudo começou há uns vinte anos, parece-me. Um dia, numa aula de Educação Visual, fez-se luz e voilà, eu sabia desenhar (história verdadeira). Não há recordações de tenra infância em que eu, antes de saber escrever, já gastava toneladas de lápis de cor a rabiscar tudo quanto era parede de casa. É óbvio que gostava de desenhar. Mas, antes de realmente saber que podia fazê-lo razoavelmente melhor do que as outras pessoas em geral, a verdade é que, até esse dia de epifania, eu safava-me à pala do velho truque do papel químico e do decalque. Depois do já referido  voilà, desenvolvi a capacidade do desenho pela melhor das razões: por gosto. Uns anos mais tarde, passei dos lápis aos pincéis e, há uns três ou quatro anos, agarrei-me definitivamente à caneta digital (certo, esta última parte não soou lá muito bem). Nunca tive aulas de Arte, nem de nada remotamente artístico (as aulas que tive de Educação Visual não se qualificam para esse nível). Há cerca de doze anos que o passatempo se tornou numa actividade para ganhar alguns cobres. Durante os primeiros anos, fiz somente arte tradicional para clientes privados (sobretudo retratos a lápis, pinturas a pastel, aguarela e acrílico). Depois de experimentar as ferramentas digitais, comecei também a fazer trabalhos editoriais e publicitários para clientes maiores. De momento, caminho sobre a frágil corda que é a actividade do ilustrador, em Portugal. Para dar o primeiro passo é preciso loucura (uma loucura inconsciente, como todas as loucuras verdadeiras). Os restantes passos exigem uma constante necessidade de equilíbrio e sorte.




Notam-se influências da fotografia e da arte realista no teu trabalho. Quais as tuas principais fontes de inspiração?

Tudo é fonte de inspiração. A resposta é bastante aborrecida e falta-lhe a originalidade mística que se atribui à inspiração artística, mas a resposta é mesmo essa; tudo. Não acredito que qualquer artista, seja qual for a sua área, tenha realmente uma resposta diferente. O artista que apontar apenas uma fonte de inspiração, mesmo que tenha capacidade para representar a única coisa que o inspira, não estará muito longe de uma versão limitada de algo que já existe. Essa é precisamente uma das dificuldades da arte realista. Há a necessidade de captar a expressão da referência fotográfica e, ao mesmo tempo, a igual necessidade de criar o devido distanciamento artístico (há quem lhe chame interpretação) de maneira a que, no fim, não seja criada apenas uma cópia do que já existe, o que tornaria o trabalho aborrecido e, francamente, perto do inútil. Há quem se pergunte: se é para reproduzir fielmente o que já existe, qual o objectivo, afinal? Se excluirmos o nobre ofício dos falsificadores, há aí uma certa pertinência. A verdadeira habilidade não está em reproduzir apenas as referências, mas sim em juntar várias e conjugá-las num conceito que antes não existia individualmente em nenhuma delas (há mais explicações para a “verdadeira habilidade” mas eu não sou dado à omnisciência e fico-me pelo que disse).




Sabemos que gostas de desenvolver expressões artísticas diferentes. Em qual delas te sentes mais à vontade?

Para além do desenho/pintura, também escrevo. É, eu fui abençoado com duas das coisas que, neste país, muito provavelmente me levarão à miséria. Entre as imagens e as letras… bem, é o que costumam dizer quando tem de se escolher entre dois filhos; gosta-se dos dois da mesma maneira, mas um é o preferido. Neste caso, é a escrita. Se, por alguma razão, eu tivesse de escolher, a minha escolha seria a escrita, sem pensar duas vezes. São duas formas de arte que se tocam. Há bastantes semelhanças que as aproximam como duas forças criativas que cruzam a ficção com a realidade. Ainda assim, são expressões inteiramente distintas. Conhecendo ambas, não pretendo de modo algum compará-las. Para se poder comparar duas coisas, é preciso que essas duas coisas sejam maioritariamente iguais. Neste caso, não são. Há várias razões para preferir a escrita. Quando pretendo transmitir uma ideia, a escrita compreende-me melhor do que o desenho. O resultado final das palavras aproxima-se mais vezes da minha ideia inicial do que as imagens. Quem desenha sabe bem do que estou a falar. Não são assim tão poucas as vezes em que um desenho acaba por sair ao lado do que se queria. Além do mais, a escrita é, no geral, um meio de expressão mais completo (senão o mais completo). Não estou, de maneira alguma, a dizer que um escritor é sempre melhor artista do que um pintor. Não estou a falar dos artistas, mas sim dos meios que os artistas usam para criar. Eu sinto-me bastante à vontade em ambas as expressões artísticas, e consigo retirar de ambas aquilo que pretendo com relativa facilidade, mas, simplesmente, gosto mais da escrita.




Além da Zona, estás envolvido noutros projectos? Fala-nos um pouco disso.

De momento, estou a trabalhar num livro para gente grande (gigantes, e isso). Muitas páginas. Sem imagens (introduzir aqui o tal de lol). Está quase acabado. Se conseguir que seja publicado, e as coisas correrem bem, talvez seja possível, num futuro bastante optimista, conjugar as imagens com as letras em outros projectos que tenho na gaveta (uma gaveta mística, e sem fundo, da qual os criadores  em geral estão sempre a falar). Um desses projectos é uma banda desenhada com um conteúdo um bocado pesado, pois o tema centra-se na violência entras as crianças e, mais uma vez, será uma coisa para gente grande. Também tenho feito alguma pesquisa no reino obscuro do folclore nacional, à procura de lendas e contos que possam ser ressuscitados no séc. XXI. Tudo depende do futuro optimista de que já falei, em que os milagres não sejam coisas absurdas (outra vez o tal de lol).




Como autor, quais são os teus objectivos? Até onde colocas a fasquia?

Como ilustrador, espero chegar a um ponto em que possa vender os meus trabalhos a coleccionadores por valores acima dos cem mil euros (um mínimo razoável). Se lutarem até à morte por um simples esboço meu também serve perfeitamente. A fama não me interessa para nada. Ser justamente pago por aquilo que faço é uma bênção infinitamente maior do que ser apenas reconhecido (acreditem que é… se ainda estivesse vivo, o van Gogh diria o mesmo). Por outras palavras: quero é dinheiro. Como escritor, espero que um dia (antes dos 50 anos) me seja atribuído o Nobel, para eu deixar cair o pisa-papéis na cerimónia de entrega e fingir que foi sem querer. Portanto, tudo coisas perfeitamente possíveis. A fasquia está praticamente à altura do joelho.


Para saber mais acerca do trabalho da Manuel Alves, visite os seguintes links: