Se o cartaz é da autoria do ilustrador João Maio Pinto, a iniciativa de promover umas conferências em Portugal totalmente dedicadas à banda desenhada é, pela segunda vez já, do crítico e pedagogo de BD Pedro Moura.
Para quem ainda não conhece, em que consistem exactamente as Conferências de BD?
Estas conferências são um encontro de natureza académica, no qual vários investigadores, que têm a banda desenhada ou territórios que lhe são próximos (o cartoon, a ilustração, etc.) como seu objecto de estudo, apresentam e discutem trabalhos de investigação, reflexões ou até somente ideias a explorar. Esse espaço de diálogo permite, ou assim esperamos, novos desenvolvimentos e novos desafios, multiplicando esse saber e incentivando outros a dar-lhe continuidade.
Existem
muitas disciplinas que podem ser empregues, deste os estudos literários à
história da arte, mas também tivemos pessoas com formação em antropologia,
estudos feministas, semiótica, jornalismo, arquitectura, etc. As CBDPT também
contam com a participação de autores que tem uma considerável capacidade de
reflexão crítica sobre esta área ou que têm uma visão particularmente
interessante a partilhar com este público especializado.
Elas
estão abertas a todas as pessoas, sobretudo enquanto público, mas há uma
insistência em termos apresentações capazes de uma qualquer visão crítica,
informada disciplinarmente, com conhecimento da história e as especificidades
mediáticas, artísticas e expressivas da banda desenhada. Esta área já conta com
uma bibliografia especializada com mais de vinte anos, nalguns casos com um
grande rigor intelectual, portanto as Conferências também servem de divulgação
e re-distribuição desse pensamento, precisamente para multiplicar esses gestos.
Já não faz sentido nenhum fazer abordagens superficiais, de listas ou meras
impressões, mas antes tecer discursos com alguma complexidade, capazes de
ombrear com o tipo de conversas que ocorrem noutras áreas artísticas, digamos,
com mais "prestígio intelectual", como o cinema, as artes visuais,
etc. A banda desenhada é um território extremamente vasto e produtivo, mas
penso que em Portugal ainda está presa sobretudo a visões de fãs, as mais das
vezes (mas nem sempre) pouco informados sobre o que se passa na área.
Como
ocorre neste tipo de acções, é feito um "call for papers", ou seja,
um convite a quem estiver interessado a fazer uma proposta de comunicação,
explicando qual o tema que desejam debater, qual a bibliografia que vão usar,
que instrumentos empregarão, etc. Depois uma comissão de apreciação lê,
aceitando ou rejeitando as propostas, e quase sempre propondo alguns
desenvolvimentos, alertando para uma bibliografia específica, etc. Sempre com o
intuito de termos as apresentações o mais equilibradas possíveis e contribuir
de forma decisiva para a "massa crítica" sobre a banda desenhada em
Portugal, ainda algo deficitária, a meu ver (falta de espaço na imprensa
generalista, nas universidades, na web, etc.).
Dado
que esta é a segunda edição, quais as principais novidades relativamente ao ano
anterior?
Não temos novidades propriamente ditas e até por várias razões (orçamentais, de comunicação, etc.) será mais reduzida. Não teremos convidados internacionais - o que era desejável, até para confrontar os investigadores portugueses com nomes influentes nesta área de estudos - e temos menos apresentações. Espero que a terceira edição já possa "crescer" em várias direcções. Como é um evento organizado independentemente de instituições e quase a custo zero, mudamos de espaço. O ano passado foi no Instituto França em Portugal, este ano na Biblioteca Municipal Orlando Ribeiro (sempre em Lisboa). Temos, portanto, o apoio logístico dessas instituições.
Já
que falamos das primeiras Conferências, na tua opinião, qual foi o balanço?
Esperas ainda maior adesão este ano?
Sinceramente, foi muito positivo. Para começo de conversa, tivemos dezasseis apresentações, todas muito diferentes entre si, mas todas elas com qualidades e perspectivas muito produtivas, penso. O programa pode ser consultado no blog, e está para breve (mas já digo isto há um ano!) o lançamento do site (www.reirubro.org) onde estarão as actas completas.
Além
disso, tivemos dois convidados internacionais, absolutamente indispensáveis
nesta área de estudos, o David Kunzle, de certa forma o fundador dos Comic
Studies e historiador comme il faut da banda desenhada, e Thierry
Groensteen, cuja obra, sobretudo marcada pelo pós-estruturalismo e a
semiologia, é um ponto de partida fulcral (ainda que, como tudo, aberto a
discussões e desenvolvimentos) para o seu estudo.
Houve
ainda oportunidade para momentos de convívio muito descontraídos entre toda
esta gente, discussões vivas e o lançamento de várias ideias (a formação de
grupos de estudo, etc.) que espero virem a tomar forma num futuro próximo. E
houve também algum público, algumas caras conhecidas da nossa praça, mas muitas
pessoas novas também, que se integraram nas discussões, na partilha de
informação e na vontade de lançar novos desafios mútuos. O cômputo final
foi muito estimulante, espero eu para todos os envolvidos.
Quais
são os verdadeiros objectivos de umas Conferências de BD em Portugal? Para quem
achas que pode ser mais benéfico?
Penso ter respondido já no início, em parte, a esta pergunta. A resposta que desejava dar era "toda a gente que se interessar por banda desenhada". No entanto, estou bastante ciente que muitas vezes há uma atitude generalista anti-intelectual que desconfia sempre do tipo de discursos que são produzidos por este tipo de encontros. Convenhamos, não é preciso saber nada destas coisas para ler banda desenhada, e muito menos para criá-la. Mas se se pretende discutir aspectos em torno da banda desenhada, seja criar um discurso verdadeiramente crítico, e não meramente informativo, divulgador e jornalístico (e todos esses discursos podem ser mais ou menos esvaziados de pensamento como informados de modo original, e tem igualmente o seu papel fulcral na circulação de informação e saber), então tem que se ter não só um ponto de vista mais ou menos constituído como acompanhar o que se anda a discutir, produzir, estudar, etc. E é esse público que a CBDPT pode servir particularmente. Dito isto, penso que é algo que interessará a investigadores dos mass media, da cultura popular, das interacções artísticas, a estudantes, a jornalistas, e até, porque não?, a leitores ditos convencionais (a palavra é horrível, mas enfim; e atenção!, são os leitores as criaturas mais importantes depois dos autores, neste campo).
Quais
são as ideias que tens e que ainda não pudeste concretizar? Quais seriam para
ti as Conferências de BD ideais?
A resposta óbvia a isto é a que todos esperam: "com mais dinheiro"! Dinheiro não para pagar às pessoas, isso é menos importante (excepto nalguns casos particulares - e devo dizer que há pessoas que têm trabalhado incansavelmente ou contribuído para estas conferências e de borla: Cláudia Dias, Rafael Martins, Ricardo Cabral, João Maio Pinto...), e penso que concordarão todos aqueles envolvidos, mas que nos permitisse várias coisas.
Para
mim é fundamental que tenhamos a oportunidade de termos convidados. Apenas ao
ouvirmos, falarmos e discutirmos directamente com pessoas que vêm de locais
onde as condições de estudo desta área são melhores dos que a que existem em
Portugal (praticamente nenhumas) é que aprenderemos melhor sobre o que há a
fazer, como fazê-lo, pensarmos nas especificidades do nosso panorama, e por aí
fora. Mas convidados significa passagens aéreas, estadias, alimentação...
Por
outro lado, gostava eventualmente de poder também ter uma dimensão de
divulgação de documentários ou séries (tenho uma mala cheia dessas coisas) que
poderiam ser úteis ao público. Ou até de masterclass/exposições com um
autor.
A
associação ao Laboratório de Estudos de Banda Desenhada - o nome informal que
dou ao meu "escritório" e à rede de apoio aos estudos que ele pode
providenciar, também pretende apontar a um possível crescimento. Faria todo o
sentido aliar os seus objectivos às várias instituições que existem dedicadas à
banda desenhada em Portugal (Bedeteca de Lisboa, CNBDI, Bedeteca de Beja), mas
não podemos ficar à espera ad aeternum. Espero não haver aqui nenhum
mal-entendido, uma vez que todas estas instituições apoiaram as CBDPT no que
puderam. O que quero dizer é que esta dimensão da banda desenhada raras vezes
foi coberta, ou de forma pontual e logo descontinuada, e espero que as CBDPT
possam contribuir nesse sentido.
Queres
deixar alguma mensagem ao público potencialmente interessado em atender ao
evento?
Venham. E nem precisam de fazer cosplay.
As 2ªs Conferências de BD, decorrerão no dia 29 de Setembro, no auditório da Biblioteca Municipal Orlando Ribeiro em Telheiras.
Para saber mais, consultar o blog oficial em http://cbdpt.blogspot.pt/
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